Um achado na Etiópia mostra que hominídeos podem ter usado ferramentas 800 mil anos antes que se acreditava, na época dos australopitecos, e indica que a espécie da famosa Lucy já comia carne. Todas essas informações vieram de apenas dois ossos.
As marcas de cortes e talhos nos dois ossos encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que hominídeos da época – cerca de 3,4 milhões de anos atrás – já usavam ferramentas de pedra e comiam carne (foto: Dikika Research Project).
Eram dois ossos fossilizados de grandes mamíferos: um pedaço de costela e um trecho de um fêmur. Os depósitos vulcânicos onde foram encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que são de 3,42 a 3,24 milhões de anos atrás. Mas o fator decisivo para a descoberta foram as falhas em suas superfícies: marcas de cortes, talhos e golpes, que não poderiam ter sido feitos por outros animal nem pelas mãos humanas.
A conclusão dos pesquisadores – liderados por Shannon McPherron, do Instituto de Antrolopogia Evolutiva Max Planck, na Alemanha, e Zeresenay Alemseged, da Academia de Ciências da Califórnia – é que estavam diante de ossos de animais que serviram de jantar aos Australopithecus afarensis.
As marcas teriam sido deixadas por instrumentos de pedra, usados para raspar a carne do osso e tirar a medula de seu interior, também para a alimentação. De acordo com o estudo, é a primeira evidência de que os australopitecos usavam ferramentas, e também que comiam carne.
“Agora, quando imaginamos a Lucy caminhando pela paisagem do leste africano em busca de comida, pela primeira vez podemos imaginá-la com uma ferramenta de pedra na mão, e procurando carne”, disse o arqueólogo Shannon McPherron, em comunicado do Instituto Max Planck.
Os fósseis mais conhecidos de australopitecos são os de Lucy e Selam. Este último ficou conhecido como o ‘filho de Lucy’: uma criança de 3,3 milhões de anos descoberta também em Dikika, em 2006, e pela mesma equipe de pesquisadores – a apenas centenas de metros de onde foi feita a nova descoberta. Como naquela ocasião, o novo achado foi publicado na revista Nature, nesta semana.
As mais antigas até então
Até agora, as ferramentas de pedra mais antigas que se conhecia eram de entre 2,5 e 2,6 milhões de anos atrás, encontradas em Gona, na Etiópia. Eram também desta época as primeiras evidências do uso de ferramentas para abater animais, graças a ossos com marcas de corte encontradas em Bouri, no mesmo país.
“A descoberta desloca radicalmente a linha de tempo sobre os hábitos de caça de nossos ancestrais”, diz paleoantropologista Alemseged.
Segundo o estudo, as ferramentas provavelmente não seriam usadas pelos hominídeos para caçar, e sim para se aproveitar de restos deixados por predadores. Ainda assim, o consumo de carne e o uso de ferramentas são dois passos decisivos na trilha do desenvolvimento humano.
Além de representar grandes mudanças na interação com a natureza, permitindo explorar novos territórios e comer outros alimentos, o uso de ferramentas é acompanhado de sua fabricação – “hábito precursor de tecnologias tão avançadas quanto aviões, aparelhos de ressonância magnética e iPhones”, lembra Alemseged.
Júlia Dias Carneiro
Ciência Hoje On-line
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