sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Paleontologia brasileira premiada

O paleontólogo e colunista da CH On-line Alexander Kellner foi um dos ganhadores deste ano do prêmio concedido pela Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento

Alexander Kellner
Alexander Kellner, pesquisador do Museu Nacional/UFRJ

Mais três brasileiros acabam de entrar na lista dos contemplados com o Prêmio TWAS, concedido pela Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento a cientistas desses países por suas contribuições ao conhecimento em oito diferentes áreas. Um dos laureados é o paleontólogo Alexander Kellner, autor da coluna Caçadores de fósseis, publicada mensalmente na CH On-line. Ele dividiu com o indiano Anil Gupta a premiação na categoria Ciências da Terra. O prêmio foi anunciado esta semana na Índia.

Pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Kellner foi reconhecido pelo trabalho sobre a biodiversidade e os ecossistemas existentes no passado do nosso planeta a partir de suas detalhadas pesquisas sobre fósseis. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências, ele participou da descoberta e descrição de 30 novas espécies de vertebrados fósseis e publicou mais de 120 estudos inéditos em periódicos nacionais e internacionais.

“Já ganhei vários prêmios, mas este é o primeiro em que recebo dinheiro”, brincou Kellner, bem-humorado, sobre os 15 mil dólares em que consistiu a premiação.

Além de Kellner, outros dois brasileiros figuraram entre os ganhadores do Prêmio TWAS

Além de Kellner, outros dois brasileiros figuraram entre os ganhadores das diversas categorias. Edgar Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos, dividiu com o indiano Vivek Borkar o prêmio na categoria Ciências da Engenharia. Já Carlos Gustavo Tamm de Araújo Moreira, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, compartilhou com Manindra Agrawal, também da Índia, a premiação de Matemática.

As categorias Ciências Agrícolas, Biologia, Química, Física e Ciências Médicas contaram com premiados internacionais. Os vencedores já estão convidados a apresentar suas pesquisas em palestras no próximo ano no 22º Encontro Geral Acadêmico da TWAS, que acontecerá em Marrocos, onde receberão medalhas e os prêmios em dinheiro.

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line

Lucy e suas ferramentas

Publicado em 11/08/2010

Um achado na Etiópia mostra que hominídeos podem ter usado ferramentas 800 mil anos antes que se acreditava, na época dos australopitecos, e indica que a espécie da famosa Lucy já comia carne. Todas essas informações vieram de apenas dois ossos.

Lucy e suas ferramentas

As marcas de cortes e talhos nos dois ossos encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que hominídeos da época – cerca de 3,4 milhões de anos atrás – já usavam ferramentas de pedra e comiam carne (foto: Dikika Research Project).

Eram dois ossos fossilizados de grandes mamíferos: um pedaço de costela e um trecho de um fêmur. Os depósitos vulcânicos onde foram encontrados em Dikika, na Etiópia, indicam que são de 3,42 a 3,24 milhões de anos atrás. Mas o fator decisivo para a descoberta foram as falhas em suas superfícies: marcas de cortes, talhos e golpes, que não poderiam ter sido feitos por outros animal nem pelas mãos humanas.

Fóssil em detalhe
O detalhe mostra dois cortes paralelos feitos por ferramentas na costela encontrado, que pertencia a um mamífero do tamanho de uma vaca (foto: Dikika Research Project).

A conclusão dos pesquisadores – liderados por Shannon McPherron, do Instituto de Antrolopogia Evolutiva Max Planck, na Alemanha, e Zeresenay Alemseged, da Academia de Ciências da Califórnia – é que estavam diante de ossos de animais que serviram de jantar aos Australopithecus afarensis.

As marcas teriam sido deixadas por instrumentos de pedra, usados para raspar a carne do osso e tirar a medula de seu interior, também para a alimentação. De acordo com o estudo, é a primeira evidência de que os australopitecos usavam ferramentas, e também que comiam carne.

"Pela primeira vez imaginamos Lucy com uma ferramenta de pedra na mão, e procurando carne”

“Agora, quando imaginamos a Lucy caminhando pela paisagem do leste africano em busca de comida, pela primeira vez podemos imaginá-la com uma ferramenta de pedra na mão, e procurando carne”, disse o arqueólogo Shannon McPherron, em comunicado do Instituto Max Planck.

Os fósseis mais conhecidos de australopitecos são os de Lucy e Selam. Este último ficou conhecido como o ‘filho de Lucy’: uma criança de 3,3 milhões de anos descoberta também em Dikika, em 2006, e pela mesma equipe de pesquisadores – a apenas centenas de metros de onde foi feita a nova descoberta. Como naquela ocasião, o novo achado foi publicado na revista Nature, nesta semana.

Zeresenay Alemseged
O paleoantropologista Zeresenay Alemseged escava fóssil de um rinoceronte de 3,4 milhões de anos, encontrado no mesmo lugar que os ossos com marcas de ferramentas (Dikika Research Project).

As mais antigas até então

Até agora, as ferramentas de pedra mais antigas que se conhecia eram de entre 2,5 e 2,6 milhões de anos atrás, encontradas em Gona, na Etiópia. Eram também desta época as primeiras evidências do uso de ferramentas para abater animais, graças a ossos com marcas de corte encontradas em Bouri, no mesmo país.

“A descoberta desloca radicalmente a linha de tempo sobre os hábitos de caça de nossos ancestrais”, diz paleoantropologista Alemseged.

Ferramentas não seriam usadas para caçar, e sim para se aproveitar de restos deixados por predadores

Segundo o estudo, as ferramentas provavelmente não seriam usadas pelos hominídeos para caçar, e sim para se aproveitar de restos deixados por predadores. Ainda assim, o consumo de carne e o uso de ferramentas são dois passos decisivos na trilha do desenvolvimento humano.

Além de representar grandes mudanças na interação com a natureza, permitindo explorar novos territórios e comer outros alimentos, o uso de ferramentas é acompanhado de sua fabricação – “hábito precursor de tecnologias tão avançadas quanto aviões, aparelhos de ressonância magnética e iPhones”, lembra Alemseged.


Júlia Dias Carneiro
Ciência Hoje On-line